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Corrida é minha válvula de escape contra o câncer. Corro e volto mais forte
04/04/2016
Ivonete Gomes começou a correr acompanhando o marido e já fez uma prova três dias depois de uma sessão de quimioterapia
Ir ao médico e receber o diagnóstico de que aquele tumor é um câncer é um dos piores momentos para um paciente. Logo vem o medo, a insegurança e a depressão. Foi assim com Ivonete Gomes, manicure e depiladora de 49 anos de São Paulo. Mas ela buscou forças para levantar a cabeça e seguir o tratamento. E encontrou na corrida uma motivação a mais.
Ivonete descobriu um câncer no fígado no final de 2007 e em seguida começou o tratamento com quimioterapia. No começo, a depressão a pegou. "Descobrir foi a pior fase da minha vida. O câncer tem um rótulo muito pesado. Meu filho tinha 19 anos e minha filha 12 e entrei em desespero porque só pensava o que seria da vida deles. Fiquei em depressão por três meses, só queria deitar e dormir", lembra.
• Primeira mudança: os filhos
O primeiro passo para mudar o quadro foi um choque. Ela conta que estava chorando quando o filho chegou, passou por ela e se trancou no quarto. Ivonete foi atrás do adolescente e o escutou soluçando de tanto chorar. "Ele me perguntou se eu iria morrer agora e disse que não tinha como responder. Mas queria que ele vivesse a vida dele e não ficar doente comigo. Naquele dia, chorei tudo o que tinha que chorar e mudei. Decidi lutar pelos meus filhos".
• Avanço da doença
O câncer de Ivonete, mesmo com o tratamento, avançou. Hoje, ela tem quatro metástases, além de ter levado um grande susto em 2012. "O tumor do fígado se alastrou de vez e tomou conta. Não dava tempo de esperar o transplante. Evoluiu em um mês o que não tinha evoluído em um ano", explica. Ivonete passou por uma cirurgia e retirou 85% do órgão.
• Segunda mudança: a corrida
A manicure passou pela cirurgia no fígado em novembro de 2012 e em setembro de 2013, fez o que seu médico disse ser uma loucura: uma corrida de rua. Paulo Sérgio, marido de Ivonete, é atleta amador e teria uma prova em Santo André, cidade do ABC Paulista. "Não tinha noção do que eram 5k, mas fui de pipoca [quando o corredor de rua faz a prova sem número de inscrição, apenas ao lado dos demais competidores]. Fiz em 39 minutos e terminei muito bem".
"Fui, corri e só depois contei para meu médico", revela. Ela levou uma bela bronca do oncologista, mas continou correndo e o avisava depois. "Depois, conversando com ele, ele me disse: 'Vai louca. Só não esqueça que é corpo doente e que tem um limite que você precisa respeitar". Ivonete afirma que sabe desse limite e que, apesar dos benefícios que sente com as corridas, só vai se estiver se sentindo bem.
"A corrida é minha válvula de escape contra o câncer. Corro e volto mais forte", diz.
• Atividade física e o câncer
Ivonete sabe que se arriscou ao fazer um esporte que exigia bastante em uma fase na qual estava debilitada pelo tratamento de quimioterapia. Mas se feita com moderação e com supervisão adequada, a atividade física é muito bem-vinda na prevenção, no tratamento e depois do câncer.
"Os primeiros estudos falavam em risco de câncer, que a atividade física regular tem o poder de prevenir diversos tumores. A atividade, provavelmente, está dentro de um contexto mais amplo, que inclui também uma alimentação saudável e um balanço geral", afirma Samuel Aguiar Junior, cirurgião oncológico e diretor de Tumores Colorretais do A.C.Camargo.
"E depois que eu tenho diagnóstico, se mudar meu estilo de vida, vou ter algum benefício com isso? Isso também já tem se mostrado como verdadeiro", continua o médico. Ele diz que a resposta biológica ainda não é concreta, mas que existe uma melhora nos pacientes.
• Bem-estar é um ótimo remédio
Ivonete diz que não abre exames e nem procura saber sobre a doença na internet. Ela não sabe dizer se a corrida ajudou ou não nos tumores em si, mas diz se sentir muito melhor agora. E isso é fundamental para um paciente. Se não mudou o quadro clínico, a corrida pelo menos melhorou o humor de Ivonete.
"O corpo diz que você está doente, que você não pode fazer nada. Mas o cérebro diz que pode. E lá [na corrida ou nas atividades físicas], você vê que é capaz. Você tem força para se levantar e continuar. Antes, eu não saía da cama. Hoje, vou para qualquer lugar, faço qualquer coisa", fala a manicure, que também faz academia e aulas de zumba.
"A atividade física aumenta a sensação de bem-estar. E tem uma explicação biológica por causa da liberação de endorfina, hormônio que traz essa sensação de bem-estar. E é óbvio que, se você se sente melhor, você encara melhor o tratamento. Os efeitos adversos tem um impacto minimizado porque você está em uma atividade que libera hormônios que te fazem se sentir melhor", detalha o médico do A.C.Carmargo.
Samuel ainda lembra que a atividade física é importante depois de o paciente ter alta. Segundo o cirurgião, o risco de recidiva [volta da doença] é menor em quem pratica exercícios.
• Quais atividades?
Para quem está em tratamento, é preciso ter cuidado com as atividades físicas. "Não pode se expor a atividades que possam causar algum dano, como um corte, porque pode ter uma infecção mais grave em uma fase que está com a imunidade debilitada", comenta Samuel. "Ficar parado, o sedentarismo, não é bom em nenhuma fase. Recomendamos que os pacientes caminhem e façam atividade física regular, claro, adaptada àquela situação", completa
Entretanto, cada caso é diferente do outro e cada paciente deve ser tratado de uma maneira. "A melhor pessoa que pode julgar até onde ir com essa atividade é o seu médico", diz o especialista.
Para quem já faz atividade, o quadro pode ser diferente. "Se é, por exemplo, uma nadadora profissional, ela vai continuar nadando, mas em um ritmo menos forte durante o tratamento. Se for amador, pode continuar fazendo sua atividade. E claro, tudo depende dos efeitos da quimioteria no paciente. Se ele estiver bem, não teria nenhum problema em seguir com a rotina. A paciente tem prazer em ir para academia, não posso privar isso dela. A paciente pode ficar deprimida e isso, sim, pode interferir no tratamento", explica Evandro Fallacci Mateus, mastologista e oncoplástico da Clínica da Mulher do Hospital 9 de Julho.
Evandro ainda ressalta que, se o paciente for sedentário, deve começar com atividades bem leves.
• E a nossa corredora?
Ivonete segue na luta contra o câncer e, depois de ter superado a fase inicial de depressão, tenta encarar a vida sempre com sorriso no rosto. "Não deixo de sair e fazer as minhas coisas. Se ficar em casa, não vou ter dor também? Então fico com dor vendo vitrine, gente bonita no shopping ou em uma balada", diverte-se.
Ela tem um acordo com o marido: ganha dele uma inscrição por mês para correr. Pode ser corrida de rua ou uma outra paixão, ainda mais exigente: a corrida de montanha.
"É lógico que tenho medo. O tumor [uma das metástases] está pressionando a minha arcada dentária e corro o risco de perder a visão. Mas eu vou ficar em casa esperando morrer? Vou correr, vou para o shopping, vou curtir a minha família. É difícil, mas não é impossível. Paciente com câncer não vive o amanhã, vive o hoje. E eu vivo o hoje com um sorriso no rosto".
Fonte: Saude iG
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