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Obesidade e diabetes são responsáveis por 800 mil casos de câncer por ano
29/11/2017
Câncer, diabetes e obesidade: três epidemias constantes na lista das doenças que mais matam no mundo estão profundamente associadas. Um estudo do Imperial College de Londres e da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgado ontem na revista The Lancet Diabetes & Endocrinology mostrou que, em 2012, quase 6% de todos os novos casos de tumores malignos foram causados pelos efeitos de excesso de peso e do distúrbio metabólico. Em números absolutos, isso significa que, por ano, 792,6 mil cânceres detectados podem ser debitados da conta do índice de massa corporal elevado (IMC) e do diabetes, dois problemas que, inclusive, costumam andar lado a lado.
Para descobrir a influência dessas condições na incidência mundial de câncer, os pesquisadores fizeram uma revisão de estudos médicos que buscaram relação entre alguns tipos de câncer e excesso de peso e/ou diabetes. Depois de ajustar fatores de risco e aplicar cálculos epidemiológicos, eles conseguiram identificar a relação em 12 tumores malignos (veja quadro). Além de chegar ao número de casos, os cientistas encontraram o percentual de contribuição isolada de ambas as variáveis. No geral, estar acima do peso contribuiu para maior incidência de câncer em 3,9%, contra 2% atribuídos ao diabetes. Quando separado por sexo, o IMC esteve associado a 8,9% dos casos em homens e a 9,9% em mulheres. Já o diabetes esteve por trás de 8,5% dos casos em homens e de 4,9% nas mulheres.
Enquanto a obesidade tem sido relacionada ao câncer há algum tempo, a ligação entre diabetes e câncer só foi estabelecida recentemente. Nosso estudo mostra que o diabetes, sozinho ou combinado com estar acima do peso, é responsável por centenas de milhares de casos por ano em todo o mundo, disse, em nota, Jonathan Pearson-Stuttard, principal autor do estudo e pesquisador da Faculdade de Saúde Pública do Imperial College. Embora essa associação ainda esteja sendo investigada, insulina ou níveis de glicose elevados, inflamações crônicas e alteração na produção de hormônios sexuais são fatores em potencial.
A endocrinologista Cristiane Moulin, doutora em obesidade pela Universidade de São Paulo (USP) e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia sessão DF (Sbem-DF), explica que, embora o câncer seja multifatorial, há mecanismos específicos associados ao desenvolvimento do tumor. A insulina, por exemplo, tem um efeito anabólico, que é um fator de crescimento celular, explica. Quem tem diabetes 1 ou 2 precisa de insulina para controlar a glicose no sangue.
Já a hiperglicemia, por si só, induz inflamações e estresse oxidativo. Ela aumenta a expressão de uma proteína, o fator de crescimento endotelial vascular, que, inclusive, é um alvo terapêutico para alguns tipos de câncer, esclarece a médica. No estudo divulgado ontem, o diabetes sozinho foi associado aos cânceres colorretal, de bexiga, fígado e pâncreas, no caso dos homens. Em mulheres, além desses tipos, a doença metabólica também teve relação com os tumores de endométrio e mama.
Juntos, sobrepeso (IMC acima de 25kg/m²) e obesidade (IMC acima de 30kg/m²) foram relacionados aos 12 cânceres estudados. Nos homens, o excesso de gordura no corpo teve maior influência sobre as neoplasias de esôfago e fígado: 28,7% e 23,3% dos novos casos desses tumores, respectivamente, tinham relação com o peso. Entre mulheres, o IMC elevado esteve por trás, principalmente, dos cânceres colorretal (38,4%) e renal (21,3%). Mais uma vez, diversos fatores fisiológicos são desencadeados pelo excesso de gordura corporal, aumentando o risco de câncer. Já se sabe, por exemplo, que as células adiposas depositadas nas vísceras produzem substâncias tóxicas ao fígado. No caso das mulheres, a influência da gordura na produção hormonal é um fator de risco a mais.
Pode piorar
O estudo alerta que, se as taxas globais de diabetes e sobrepeso continuarem crescendo, esses fatores, combinados, responderão por um aumento de 30% nos casos de câncer em mulheres e 20% nos homens em 2035. Esse trabalho consolida o raciocínio de que a obesidade e o diabetes estão relacionados com a epidemia de câncer, que, nos Estados Unidos, já é a principal causa de morte e, no Brasil, a segunda, observa o oncologista Márcio Almeida, do Aliança Instituto de Oncologia e membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Para ele, o estudo deixa uma mensagem em termos de política de saúde pública: É muito importante investir em políticas de prevenção que incentivem a alimentação mais saudável, principalmente nas escolas, onde a criança tem a formação do paladar, diz.
A nutricionista Michelle Mendes, do Instituto de Câncer de Brasília (ICB), ressalta a importância do estilo de vida para a prevenção das doenças crônicas. Podemos começar com escolhas alimentares mais saudáveis, diminuindo principalmente o excesso de alimentos industrializados, tão ricos em açúcar. O controle glicêmico, por exemplo, se deve principalmente ao consumo diário de fibras. Por isso, é sempre válido escolher alimentos integrais, aumentar o consumo de frutas, verduras e hortaliças, diz. Não devemos diminuir só o açúcar como muitas pessoas pensam, mas também o excesso de alimentos refinados, como arroz branco, pão branco, macarrão etc. Esses alimentos são responsáveis pelo aumento dos níveis de glicose no sangue, podendo favorecer a obesidade e doenças crônicas, como diabetes, câncer, entre outras, ensina.
Palavra de especialista
Efeito sobre os genes
O artigo elucida e corrobora a suspeita de que obesidade e diabetes aumentam a incidência de câncer de várias etiologias. O fato é que a hiperglicemia pode modificar o código genético, e tanto o diabetes quanto altos índices de massa corpórea afetam e decodificam a expressão gênica, favorecendo quadros inflamatórios diversos, acionando a cascata que leva à destruição celular e também o aparecimento do câncer. A alteração da mitocôndria e fatores de modificação celular ocasionados pelo meio ambiente ou pelo estilo de vida são chamados de epigenética. A prevalência da mortalidade e da morbidade global de diabetes e obesidade passam de 422 milhões de pessoas, se aproximando de 39,2% da população mundial. Por outro lado, perdas de peso de 10% a 15% revertem inflamação e fatores de resistência à insulina e podem ser o caminho para uma possível prevenção e tratamento do diabetes, da obesidade e, logo, do câncer.
Jamilly Drago, endocrinologia da clínica MetaSense e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia do DF.
Fonte:Diário de Pernambuco
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